domingo, 27 de fevereiro de 2011

Líbia: A mídia está falando a verdade?

Pela postura panfletária dos jornalistas ocidentais, 
é difícil acreditar em qualquer coisa que digam

“A única coisa que não acontecerá em caso de remoção de Khadafi do poder é a democracia, não agora, e não por um longo tempo”.

Benjamin R. Barber, membro do Conselho Internacional da Fundação Internacional Gaddafi para a Caridade e o Desenvolvimento, do qual se demitiu esta semana.



“A Líbia é um país com muito potencial, que já está sendo realizado e vai continuar a ser. O país está na contramão da crise mundial, acumulou muitas reservas e não está endividado”.

Daniel Villar, Executivo da Construtora Odebrecht em Trípoli.




Obra da Odebrecht brasileira ba construção de dois novos terminas no Aeroporto de Trípoli
Foto de manifestação pró-Kadhafi divulgada no Ocidente como de opositores
Desculpem-me, preclaros leitores, mas esse noticiário sobre a Líbia não está me cheirando bem. Faz lembrar aquele bombardeio midiático de 16 a 18 de abril de 1961, quando a nossa ínclita FOLHA DE SÃO PAULO noticiava, eufórica, a “vitoriosa” invasão de Playa Giron, em Cuba, por mercenários armados e treinados pela CIA.

Naquele então,o jornal detalhava os avanços triunfais de um certo exército que seria derrotado e humilhado em não mais de 72 horas. 

“José Miró Cardona, presidente do Conselho Revolucionario Cubano, chegou à Provincia de Oriente para reunir-se com as forças contra-revolucionarias que desembarcaram esta manhã na ilha, anunciou a Frente Revolucionaria Democrática do México, referindo-se a informações recebidas de Miami e Cuba. Ao que parece, Miró Cardona já se encontra em Santiago de Cuba, cidade que caiu em poder dos contra-revolucionários. Segundo indicam na mesma fonte, a cidade de Revellanos, na Província de Matanzas, a 135 km de Havana, teria caído em poder dos invasores.

Por outra parte, acredita-se que forças anticastristas desembarcaram igualmente na ilha de Los Pinos, onde está a penitenciaria para a qual o governo castrista enviava seus prisioneiros politicos. Todos estes prisioneiros lograram, ao que parece, depois de lutar com seus guardas, unir-se às forças invasoras”.

Tremendas “barrigas”, como se diz na gíria jornalística, destinavam-se a dar suporte a uma esperada intervenção direta dos fuzileiros navais norte-americanos, o que só não aconteceu porque o presidente John Fitzgerald Kennedy teve um repentino ataque de lucidez e pisou no freio ao saber que era tudo mentira: Miró Cardona não havia saído nem do banheiro de sua mansão em Miami Beach, devido a uma disenteria incontrolável. 


CLIQUE AQUI e leia a matéria da FOLHA, hoje em seus anais.




Os sócios brasileiros de Kadhafi


Não, não estou querendo criar miragens nas mediterrâneas terras líbias. Não quero nem tomar partido, embora o mais fácil, de assimilação mais confortável, seria engrossar o cordão dos que estão bancando a revanche ao débâcle no Egito e na Tunísia.

Ou então partilhar da angústia das grandes empreiteiras brasileiras, que se fizeram “sócias de Kadhafi” em vultosos empreendimentos, que, entre outros contratos, prevêem a construção de 1 milhão de casas num país de pouco mais de 6 milhões e 300 mil habitantes. Nossas grandes construtoras encontraram lá seu oásis de bons negócios, graças, reconheça-se, ao espírito mascate e ao gosto por viagens do ex-presidente Luiz Inácio, certamente inspirado nos passos internacionais de João Paulo II, que tirou a Igreja Católica da redoma do Vaticano.

Ou você não sabe da corrida ao ouro que envolve Odebrecht, Queiróz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa em canteiros de obras que podem faturar mais de 3 bilhões de euros? Só a Odebrecht orçou em 950 milhões de euros a construção de dois terminais no aeroporto de Trípoli e em 250 milhões o terceiro anel rodoviário dessa cidade de 1 milhão e 800 mil habitantes.




Manipulação a preço de ouro


Matéria de Khatarina Garcia e Peter Blair, despachada de Washington e Cairo, publicada em vários jornais do mundo, no dia 20 de fevereiro próximo passado, mostra foto de uma manifestação de partidárias do líder líbio que foi apresentada ao mundo como sendo de seus opositores.

Os dois jornalistas afirmam com todas as letras que os Estados Unidos culpam Líbia e Irã pelas agitações que deram na queda de dois aliados incondicionais. “Em entrevista coletiva de imprensa, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Philip Crowley reafirmou as palavras do Presidente Barak Obama em que sugeriu apoio à oposição a Ahmednejad e a Kadhafi, em represália á derrota política sofrida por Washington nestas últimas semanas e pela queda dos governos do Egito e Tunísia”.


E mais declaram os referidos jornalistas:


“O Congresso dos Estados Unidos autorizou a Casa Branca a dobrar os valores aprovados no orçamento de 2011 para gastos relativos a propaganda e meios de comunicação contra líderes que contrariam os interesses dos EUA no mundo, como é o caso de Muammar Khadhafi, Mahmoud Ahmednejad, Hugo Chavez, Evo Morales, Rafael Correa, Raul Castro, Daniel Ortega, Cristina Krischner, Fernando Lugo, Kim Jo II. Os recursos devem ser usados na compra de espaço na mídia dos países governados por estes líderes em jornais, rádios, revistas e redes de televisão, que devem sempre se referi aos mesmos como ditadores e receberem sempre orientação dos Adidos de Imprensa nos respectivos países ou senão houver relações diplomática com estes, pelos agentes da CIA no país.

O orçamento total do projeto é de um bilhão de dólares e só para o Brasil foram destinados 120 milhões para esse tipo de ação.

Semana passada, uma reunião conjunta entre representantes da CIA, a Agencia Central de Inteligência, Departamento de Estado e do Departamento de Defesa, ficou acertado que além do financiamento de ações contra Kadhafi e Ahmednejad nos seus respectivos países, repassando milhões de dólares aos opositores para que possam organizar manifestações, deve se iniciar uma campanha na mídia mundial contra os dois e ainda procurar envolver seus parceiros latino-americanos para que façam aliados dos partidos de oposição a apoiarem as posições dos EUA”.


Pior foi o bombardeio de Trípoli


Um momumento lembra o bombardeio do prédio onde morreu a filha de Kadhafi
Bom, isso tudo é relativo. Pode ser que Kadhafi, com o desgaste de 42 anos no poder, vá mal das pernas. Todo poder enferruja com o tempo. Mas ele já superou situações mais medonhas, como em 15 de abril de 1986, quando uma esquadrilha com 77 aviões norte-americanos bombardeou Trípoli, por ordem pessoal do presidente Ronald Reagan. 

O ataque aéreo tinha como objetivo declarado matar ou derrubar Muammar Kadhafi, conforme declaração explícita, assinalando que aquilo era apenas uma amostra do que poderia cair sobre a Líbia no futuro. Os aviões que riscaram os céus de Trípoli mataram cerca de 600 civis, entre as quais uma filha de Kadhafi. Foi do prédio onde ela morreu, ainda semi-destruído, que ele fez seu segundo pronunciamento neste fevereiro quente.

Admitindo que Kadhafi esteja no fim da linha, quem poderá dizer o que será desse país que tem a oitava maior reserva de petróleo do mundo? Ele denunciou o envolvimento de Bin Laden e do Al-Qaeda teocrático na manipulação da revolta do leste. Para o cidadão brasileiro, isso parece surpreendente, na medida em que ambos são tidos e havidos, no mesmo patamar, como inimigos mortais dos Estados Unidos. E, como se diz, o inimigo do meu inimigo é meu amigo.

Mas há uma situação peculiar: A Líbia é talvez o país árabe mais laico, onde o clero islâmico tem menor influência. Em sua quase totalidade, os líbios são sunitas tranquiklos. Lá as questões tribais pesam mais do que a religião. Depoimento de Benjamin R. Barber, em artigo noThe Huffingston Post do dia 24, não deixa dúvida: se Kadhafi cair, “um eventual aparecimento de um novo regime autocrático é inevitável. Provavelmente não é um regime islâmico, porque a revolução de Khadafi habituou o povo a um país secular e anti-teocrático; lá o tribalismo é mais importante do que a religião”.

Benjamin R. Barber afirmou que o levante acabou afetando o trabalho do filho Seif Al Islam Khadafi, presidente da fundação que pugnava por um liberalização do regime. Segundo Barber, a natureza do levante, que fermentou no leste, levou a reunificação do clã Qadaffa, que tem origem no oeste do país.

As quase 140 tribos que conservam suas identidades e seriam as únicas estruturas capazes de substituí-lo, segundo especialistas ocidentais. Mas os chefes tribais não teriam um quadro com poder de aceitação de todos. 

Moncef Djaziri, da Universidade de Lausanne, Suíça, sintetizou essa percepção: "as tribos são mais apegadas à terra do que à nação líbia, uma idéia abstrata para elas. Há tribos no leste que se solidarizaram com os manifestantes e outras, a oeste e no sul, que continuam leais a Kadhafi. Em caso de vácuo político, esses grupos podem entrar em conflito por causa do petróleo". 

Djaziri acredita que uma guerra aberta entre tribos de regiões diferentes poderia levar a uma "anarquia generalizada" e até à divisão do território nacional em diferentes zonas de poder. 

Já os jornalistas Khatarina Garcia e Peter Blair insistem em que na raiz do descontentamento há manipulação externa: “Nesta quinta (17), Ashur Shamis, um ativista líbio de oposição residente em Londres e recrutado pelos serviços de inteligência britânico (MI6) e norte americano (CIA) dava informações repassadas pela embaixada dos EUA no Reino Unido e admitiu, ainda que de forma constrangedora, o uso de imagens dos protestos no Barhen e no Yemem como se fossem realizadas em Trípoli e Bengazi, principais cidades líbias, o que desmascarou a ação montada pelos órgãos de informação e comunicação que trabalham juntos contra a Líbia e o Irã”.

De qualquer forma, ainda com a pulga atrás da orelha sobre a revolta em três cidades do Leste, onde se concentram os jornalistas do Ocidente, acho que Benjamin R. Barber tem razão quando diz que não há semelhança entre os cenários políticos e os personagens da Líbia, Egito e Tunísia:

“Se a resistência de Kadhafi falhar, é provável que ele morra como um mártir. Não seria confortável para ele um exílio em Caracas. Lembremos que Kadhafi não é Mubarak ou Bashar al-Assad, herdeiros de segunda ou terceira geração das ditaduras revolucionárias. Ele é de um corte de natureza revolucionária, do mesmo tecido como Nasser e Castro, e sua retórica nacionalista, se aparentemente incoerente e irrelevante para o mundo moderno, é autêntica e enraizada em seu povo”.

Finalmente, ao afirmar que a sorte da Líbia será decidida nas próximas 48 horas, lamento que os jornalistas ocidentais tenham trocado a responsabilidade da informação pelo panfleto. Exemplo disso é o artigo “Não vamos ficar de braços cruzados”, assinado no GLOBO de hoje por Nikolas D. Kristof, do New York Times. Por essa e outras matérias é que fico com o pé atrás: será que está acontecendo mesmo na Líbia o que a mídia diz que está acontecendo? 


Em tempo: a Líbia é um país esquisito: segundo agências ocidentais, tem uma taxa de desemprego de 30%, mas acolhe 1 milhão e meio de egípcios e outros 300 mil trabalhadores estrangeiros de países vizinhos.


Fonte: www.porfiriolivre.info

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