sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Maconha ou Álcool: o que é pior para a saúde?

Um dos argumentos favoritos dos ativistas à favor da legalização da maconha é que a substância não faz tão mal para a saúde quanto o álcool e o cigarro, drogas legais. Mas existe verdade nisso?


Difícil de saber, respondem os cientistas. A comparação entre essas substâncias simplesmente é muito complicada. Embora ambos álcool e maconha sejam tóxicos quando usados para fins recreativos, sua legalidade, padrões de consumo e efeitos a longo prazo sobre o corpo são bastante diferentes.

Além disso, a pesquisa dos efeitos da maconha na saúde humana ainda está em sua infância, em comparação com os estudos rigorosos que já foram feitos sobre o álcool e a saúde humana.

O que sabemos é que tanto o consumo de álcool quanto fumar maconha podem levar a problemas de saúde, mostrando efeitos a curto e longo prazo.

De fato, o álcool é associado a quase 80 mil mortes nas Américas, de acordo com estudo da Organização Pan-americana da Saúde feito entre 2007 e 2009. Por uma série de razões, estatísticas sobre mortes associadas com o uso de marijuana são muito mais difíceis de encontrar.

A curto prazo

Beber muito álcool pode rapidamente matar uma pessoa. A impossibilidade de metabolizar o álcool tão velozmente quanto é consumido pode conduzir a uma acumulação no cérebro, que desliga áreas necessárias para a sobrevivência, tal como as envolvidas com o batimento cardíaco e a respiração.

“Você pode morrer cinco minutos depois de ter sido altamente exposto ao álcool. Isso não acontece com a maconha”, explica Ruben Baler, cientista da saúde no Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA. “O impacto do uso da maconha é muito mais sutil”.

No entanto, efeitos sutis não são sinônimo de efeitos fracos, como é o caso com o consumo de cigarros, que também possui efeitos mais lentos que o álcool, mas é ligado a 200 mil mortes anuais só no Brasil, segundo dados de 2008 do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Embora a maconha afete o sistema cardiovascular, aumentando a frequência cardíaca e a pressão arterial, uma pessoa não pode morrer fatalmente de overdose de maconha como pode com o álcool.

Também, o álcool é mais propenso do que a maconha a interagir com outras drogas. Se você já estiver tomando outras drogas ou medicamentos e beber álcool, ele pode aumentar ou diminuir os níveis da droga ativa no organismo.

Além das formas diretas, ambas as substâncias podem afetar a saúde de forma indireta.

Como a maconha prejudica a coordenação e o equilíbrio, existe o risco de se ferir ao fumá-la, especialmente se uma pessoa “chapada” decidir dirigir ou fazer relações sexuais desprotegidas, enquanto suas inibições estão reduzidas. Além de consequências momentâneas, podem haver consequências a longo prazo.

A longo prazo

Os efeitos a longo prazo de beber muito são bem conhecidos. “O excesso de álcool leva a consequências muito graves”, diz Gary Murray, diretor interino da Divisão de Metabolismo e Efeitos na Saúde do Instituto Nacional de Abuso do Álcool e Alcoolismo (EUA).

Beber pode levar a doença hepática alcoólica, que pode evoluir para fibrose do fígado, que por sua vez pode levar ao câncer de fígado. “Eu enfatizo ‘pode’ – não é ainda claro nem para os melhores cientistas quais são os gatilhos que permitem que essa progressão aconteça”, explica Murray, observando que algumas pessoas têm maior risco do que outras de desenvolver a condição, e não entendemos direito por quê.

Já Baler comenta que, ao contrário do álcool, os efeitos do uso crônico da maconha não são tão bem estabelecidos. Estudos com animais indicam um possível impacto na reprodução. Além disso, há evidências de que maconha pode piorar problemas psiquiátricos para pessoas que são predispostas a eles, ou fazê-los se manifestar em uma idade mais jovem. Ainda, porque a droga é geralmente fumada, pode causar bronquite, tosse e inflamação crônica das vias aéreas.

Enquanto alguns estudos mostraram evidências ligando a maconha ao câncer de pulmão, estudos subsequentes não encontraram essa associação. Baler disse que não está claro por que a fumaça da maconha não tem o mesmo resultado que a do tabaco nos pulmões. A diferença pode ser nos compostos das fumaças ou pode ter a ver com outros hábitos de saúde que fumantes de maconha e de cigarro têm.

Além disso, pesquisadores que procuram estudar o uso da maconha a longo prazo têm tido dificuldade em encontrar pessoas que fumam maconha regularmente, mas que também não fumam cigarros de tabaco. Outra grande dificuldade é a ilegalidade da maconha, que limita a pesquisa neste campo.

No entanto, este ano começaram as primeiras vendas legais de maconha para pessoas que não a usam por razões médicas nos Estados Unidos, em Colorado e Washington. A observação de taxas de lesões, acidentes, doenças mentais e uso por adolescentes levará a uma melhor compreensão dos efeitos sobre a saúde pública da maconha.

Grande parte da preocupação com a substância envolve jovens que usam a droga, porque ela interfere com o desenvolvimento do cérebro enquanto ele ainda está amadurecendo. “Fumar maconha interfere com conexões do cérebro em um momento em que ele deveria estar em um estado de mente clara, acumulando memória e experiências que formarão uma base para o futuro”, conta Baler.

Como algumas pessoas fumam maconha com a mesma voracidade que a maioria dos fumantes regulares, enquanto outros podem usar maconha apenas nos fins de semana, os efeitos na saúde tornam-se difíceis de generalizar.

“Você está prejudicando cumulativamente sua função cognitiva. Qual vai ser o resultado final, ninguém pode dizer”, afirma Baler.

Benefícios

Não há nenhum uso médico conhecido para o consumo de álcool, mas muitas pesquisas mostram os benefícios à saúde de se beber moderadamente, incluindo menores taxas de doença cardiovascular e, possivelmente, menos resfriados.

“Nós sempre aconselhamos as pessoas a evitar beber em excesso, mas o consumo moderado não é algo muito perigoso”, explica Murray.

Quanto à maconha, cuja legalização para usos médicos tem sido assunto de forte debate público há anos, há ampla evidência de que certos compostos encontrados na planta podem ser benéficos.

“Os pesquisadores estão trabalhando contra o relógio para tentar identificar os ingredientes da maconha que têm potencial medicinal”, disse Baler.

Uma vez que tais produtos químicos estiverem em uma forma pura e os pesquisadores entenderem seus efeitos sobre o corpo, então eles poderiam ser usados em ensaios clínicos para verificar sua eficácia em amenizar sintomas ou auxiliar na cura de doenças como câncer, esclerose múltipla, diabetes e glaucoma.

“Há segmentos da população que querem ignorar todo esse processo e distorcer a verdade, afirmando que fumar maconha pode ser bom para a saúde e ter usos médicos”, argumenta Baler. Segundo ele, embora possa ser usada para cuidados paliativos, chamar a maconha de remédio ainda é algo que não podemos fazer. O objetivo da medicina, aliás, não é usar a maconha como remédio, e sim extrair seus componentes benéficos, e utilizá-los desprovidos dos efeitos que usuários recreativos da substância procuram.

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