domingo, 12 de julho de 2015

O SAL DA TERRA - A Admirável Epopeia de Sebastião Salgado - [DOC/VÍDEO]


Por Déborah de Paula Souza
jornalista e psicanalista

O documentário O Sal da Terra é uma fábula sobre um homem que viu e registrou a dor do mundo, adoeceu de tristeza e recuperou-se graças à ajuda de uma grande curandeira. O homem é Sebastião Salgado e a curandeira é a Terra. 

O fio da história do fotógrafo é desenrolado por ninguém menos que o cineasta alemão Wim Wenders e pelo jovem Juliano Salgado, filho de Sebastião, que confessa: "Quando eu era pequeno, meu pai estava sempre viajando e vivendo grandes aventuras, para mim ele era um super herói". O documentário é a versão contemporânea da saga do herói que nasceu numa fazenda em Aimorés, à beira do Rio Doce, e sonhava viajar para além das montanhas de Minas Gerais. 


O destino dá uma mãozinha, Salgado encontra a mulher de sua vida, Lélia Wanick Salgado, e o casal muda-se para Paris. Lá, Lélia compra a máquina fotográfica que transformará a vida de ambos. Ele troca a promissora carreira de economista pela instável vida de fotógrafo e ela, formada em arquitetura, mostra-se polivalente: é agente, pesquisadora dos projetos do marido, curadora de exposições e editora de seus livros, tem papel decisivo na projeção internacional da obra de Salgado. Sem contar que, enquanto ele viaja pelo mundo, é ela quem cuida da casa e dos dois filhos do casal, Juliano, o primogênito, e Rodrigo, que tem Síndrome de Down.

No filme, as cenas de família são plenas de afeto, mas o foco é a carreira do protagonista, que se tornou um dos fotógrafos mais famosos do mundo. 

Antes de conhecê-lo pessoalmente, Wim Wenders já havia comprado duas fotos dele numa galeria europeia. Uma das marcas do cineasta é documentar aquilo que admira, Wenders toma partido de seus "biofilmados". Foi assim com o grupo de música cubana, Buena Vista Social Club, e com a bailarina Pina Baush. No caso de Salgado, o filme é apresentado como uma "ode" de Wenders ao fotógrafo, hoje com 71 anos. Os momentos mais dramáticos são os trabalhos realizados na África,posteriormente publicados no livro Êxodos. As cenas mostram campos de refugiados e grandes levas migratórias de populações que fogem de conflitos, da fome e da violência. 

Numa dessas fotos, pilhas de mortos são recolhidas por escavadeiras, como se fossem montes de lixo. Diante do horror, Salgado conta que muitas vezes abaixou sua câmera e chorou. Seus olhos, emoldurados pelas sobrancelhas brancas, são revelados com doçura por Wenders, com depoimentos em close. Ele fala de tristeza, mas também de gratidão pelos encontros que vivenciou. Acredita que muitas pessoas "se ofertaram" à sua câmera. Ele estava pronto para recolher o que lhe foi dado. 

Aplaudido no Festival de Cannes e indicado ao Oscar, o filme visa o grande público. Não aborda como o artista desenvolveu sua linguagem nem o que ele acha de polêmicas que sua obra já rendeu em círculos especializados. Seu talento é amplamente reconhecido, mas há quem questione a sofisticada estetização de cenas de degradação humana. 

No documentário, a ênfase recai sobre a visão humanista de Salgado, sua empatia com as pessoas que retratou ao longo do século 20. Além das zonas de conflitos, a obra do fotógrafo, que participou de movimentos estudantis de esquerda no Brasil, enfoca a revolução industrial e o papel dos trabalhadores; a seca e a mortandade infantil no nordeste brasileiro; a paisagem e a vida de camponeses na América Latina.

INSTITUTO TERRA

Nas sagas míticas do herói, o enredo é sempre dividido em três etapas: partida, aprendizado e retorno. O herói volta para casa, transformado pela viagem. Acontece que depois da experiência brutal do projeto Êxodos, Salgado perde a fé na humanidade e sente-se esvaziado. A situação não melhora quando ele decide retornar à fazenda paterna em Aimorés, que a essa altura estava completamente seca e devastada. 

Mais uma vez, a intervenção de Lélia é vital. Ela propõe reflorestar a área, com mais de sete mil hectares, e o casal busca apoio para criação do Instituto Terra, uma organização de proteção ambiental, dedicada ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Doce, região de divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo. Foi uma aposta certeira. Tudo renasce, inclusive as fontes de água pura e o ânimo do fotógrafo. 

O reflorestamento é uma jornada de cura. Ele inicia, então, o projeto Gênesis, no qual trabalha durante oito anos. Ao descobrir que mais de 40% do planeta ainda está intacto, decide que não fará reportagens sobre devastação, mas, sim, sobre o que está vivo, intacto, sem as marcas da civilização. Deslumbra-se com o que vê nos recantos mais longínquos da Terra, seja a centenária tartaruga em Galápagos, uma tribo na Amazônia, o urso que chega na hora errada e atrapalha sua agenda, a baleia que se deixa acariciar, e de quem ele se considera amigo. 


A trilha sonora, com cânticos tribais e sons que remetem ao início dos tempos é um encantamento à parte. O som está à altura do visual e juntos evocam o sagrado.

Os nomes escolhidos para alguns projetos - Êxodos e Gênesis - revelam que, apesar do seu jeito manso de mineiro, as ambições de Salgado têm proporções bíblicas. Ou como ele resume num flash: "Eu sonhei muito". 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe um comentário educado! Siga a política do 'se não pode dizer algo construtivo e legal, não diga nada.'