Densas florestas tropicais com clima úmido, um legítimo berço para a evolução das espécies. O lugar em questão está longe de ser um daqueles raros oásis que ainda existem no planeta. Trata-se, na verdade, do inóspito deserto do Saara. Assim ele era há 500 mil anos, foi vítima da natureza que o secou e agora foi “eleito” pela mesma natureza para ser brindado com muita água. O planeta está em constante transformação e isso se explica pelo aquecimento global que transforma radicalmente as paisagens. O clima da região da África, por exemplo, era tão diferente que recentes pesquisas revelaram que o rio Nilo corria antigamente para o oceano Atlântico, em vez de desaguar no mar Mediterrâneo. A Terra, como um copo d’água que dependendo da inclinação de seu eixo, pode ficar mais cheia de um lado e vazia do outro, sofre há muito tempo mudanças em seu bioma.
Só para se ter noção de como somos vulneráveis a isso, uma mudança de poucos graus no eixo de rotação do planeta causou uma grande transformação climática, gerando o deserto do Saara. Agora, tudo vai novamente se alterando e cientistas afirmam que fortes abalos sísmicos, como o tsunami e o aquecimento global, continuam influenciando a inclinação da Terra, podendo trazer de volta um oásis soterrado no tempo. Do solo árido do deserto do Saara, quem diria, brotará selva, sombra e água fresca.
O que é deserto pode virar mar e vice-versa. No caso do Saara, o esbarrão no “copo d’água” ocorreu em 2004, quando o tsunami sacudiu a Ásia e a África. Na época, Paul Tapponier, diretor do laboratório de análises tectônicas do Instituto de Física do Globo, na França, afirmou que o tsunami provocou o deslocamento de até 20 metros da crosta terrestre em certas áreas do Índico: “É o mesmo que dizer que ilhas inteiras andaram 20 metros, de uma só vez, no sentido sudeste. O terremoto mudou o mundo.” Essa notícia causou na ocasião menos impacto do que se poderia imaginar. Agora, novos estudos revelam o tamanho exato da questão: a leve alteração de seis centímetros no eixo de rotação, somada às alterações climáticas, pode despertar a já esquecida “floresta do Saara”, área um pouco menor que a Europa. “Já é possível perceber mudanças na vegetação”, diz o autor da pesquisa, Stefan Kropelin, do Instituto de Arqueologia Pré-Histórica da Universidade de Colônia, na Alemanha. A tese se baseia em depósitos localizados em um lago do Saara, ao norte do Chade, na África. Trata-se do lago Yoa, sustentado por águas que resistem em seu lençol freático desde a pré-história, sobrevivendo há milênios, apesar das constantes secas e do calor elevado que atingem a região. Segundo Kropelin, pólen, insetos, algas e outros fósseis preservados da antigüidade no sedimento do lago apontam para um processo gradual de transformação no meio ambiente do deserto.
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Análises da Nasa mostraram que cerca de seis metros da água do lago evaporam a cada ano, o que representa volume suficiente para o abastecimento de um milhão de pessoas. Compreender os efeitos climáticos do Saara é especialmente importante. “A evolução do clima reflete em larga medida a evolução do continente africano”, diz Kropelin. Há 30 anos estudando a região desértica, ele afirma que a mudança no cenário árido já está acontecendo lentamente – e levará menos de um século para se completar. As altas temperaturas irão gerar um aumento intenso na evaporação dos oceanos, ou seja, a mesma situação climática que criou o deserto agora gerará água: chuvas em grande volume penetrarão no interior dos continentes tropicais, mudando a geologia. Dessa forma, no futuro, a humanidade provavelmente reconhecerá o aquecimento global como marco do surgimento de uma rica fonte de água na Terra.
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Esse texto é uma reportagem da IstoÉ, assinada por Luciana Sgarbi, reproduzindo na mídia local o que foi veiculado em diversas publicações internacionais.
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