Várias escolas da cidade de Kota Bharu, capital de Kelantan, no norte Malásia, registraram nas últimas semanas fatos estranhos, um fenômeno que a imprensa local atribuiu a "fatos sobrenaturais", mas que para os especialistas é produto de algo muito real: a histeria coletiva.
O jornalista malaio Philip Golingai tuitou esta imagem que teria sido feita por um estudante na escola fechada. Foto: divulgação, Twitter de Philip Golingai / BBCBrasil.com |
Na semana passada, mais de cem pessoas, entre alunos e professores, sofreram desmaios, vômitos e ataques de ansiedade após a aparição de uma "silhueta preta sobrenatural" no colégio SMK Pengkalan Chepa 2.
"Não me surpreende que os surtos tenham acontecido em escolas islâmicas da zona rural da Malásia. É região religiosamente mais conservadora, com uma arraigada crença nos espíritos, e cujas doutrinas a respeito são mais rígidas", disse à Agência Efe o sociólogo americano Robert Bartholomew.
A escola foi fechada por três dias para que clérigos islâmicos recitassem versos do Corão dentro do colégio e os 'bomohs' (xamãs) afugentassem os 'pontianak', nome como os fantasmas são conhecidos da mitologia local.
Uma das alunas garantiu que ficou com as mãos dormentes e que a cabeça dava voltas. Outra disse ter sentido uma "pesada presença" em cima do seu corpo, em entrevista à rede "BBC".
"A imprensa e as redes sociais se encarregaram do restante e contribuíram para o efeito dominó", explicou o pesquisador, esclarecendo que os sintomas de histeria aparecem em pessoas "absolutamente saudáveis", mas com níveis "severos" de estresse mental.
A Universidade Pahang da Malásia começou a vender em maio do ano passado um kit anti-histeria que contém sal, spray de pimenta, limão e pinças de madeira, entre outros artigos, para "espantar os espíritos malignos".
"Os muçulmanos acreditam que estes ingredientes de uso diário protegem dos demônios e dos que fazem rituais supersticiosos, embora o kit também contenha compostos químicos menos comuns, como cloreto de sódio e ácido fórmico", argumentou o criador da invenção, o professor Mahyuddin Ismail.
Segundo Ismail, durante mais de 20 anos este tratamento foi utilizado por hospitais "prestigiados", como o Manarah Islamic Treatment Centre, que declararam sua "alta efetividade".
"Quando lançamos o protótipo no ano passado, muitos questionaram, mas depois do aumento no número de casos nas últimas semanas outros muitos estão me pedindo ajuda", afirmou ele, apesar de reconhecer que alguns médicos e psiquiatras não aceitam como válido o componente sobrenatural.
O sociólogo americano ironiza e duvida da efetividade do kit.
"Para mim, faria mais sentido se isso fosse acompanhamento da minha comida chinesa. Estamos no século XXI. Penso o mesmo a respeito dos 'bomohs'. Fechar um colégio e pedir para que um curandeiro vá até lá para solucionar a questão não faz mais do que legitimar que há algo sobrenatural nos surtos, quando não há", defendeu Bartholomew.
As instituições de ensino da Malásia são as que mais encomendaram o kit feito por Ismail, que custa 499 ringgits malaios (mesmo valor em reais) e teve o respaldo do Ministério da Educação, que apoiou o lançamento oficial.
A definição científica da histeria coletiva, ou Doença Psicogênica em Massa, diz que se trata de uma situação na qual uma pessoa experimenta sintomas de uma doença qualquer - sem causa orgânica alguma - e estes se estendem rapidamente para aqueles que estão ao redor.
Normalmente ocorre em ambientes fechados e com pessoas que convivem muito próximas. Pode acontecer em hospitais, mosteiros, ambientes industriais, mas na maioria das vezes ocorre em colégios.
"É um transtorno cujo tratamento e cura ainda não temos muita informação", disse Ismail.
A histeria coletiva foi qualificada como tal no século 18, mas existem textos datados de mil atrás que falam de 'danzig-mania' - que fazia as pessoas dançarem de forma descontrolada durante horas -, considerada por alguns especialistas um precedente da histeria.
Outros estudiosos do tema, como o escritor John Waller, já afirmaram que os surtos são cada vez mais frequentes no mundo, "de Kuala Lumpur ao México, dos Estados Unidos à Europa".
OUTRA MATÉRIA
Uma escola no norte da Malásia foi temporariamente fechada depois do que a imprensa local chamou de um caso de "histeria coletiva".
O problema começou na semana passada, quando vários estudantes e professores de uma escola na cidade de Kota Bharu alegaram ter visto espíritos ou ter vivenciado experiências sobrenaturais.
A escola, chamada SKM Pengkalan Chepa 2, fica no Estado de Kelantan, uma região muito tradicional e de religiosidade marcante.
Autoridades do setor educacional decidiram fechar a escola e chamar especialistas em tradição islâmica, acadêmicos e até feiticeiros para fazer sessões de orações e "exorcismos".
No domingo, a escola foi reaberta e as autoridades disseram que a situação voltou ao normal. No entanto, nem todas as perguntas relativas ao episódio foram respondidas e o caso ainda desperta muito interesse no país.
'Silhueta escura'
Na semana passada, um pequeno grupo de estudantes começou a alegar que tinha visto uma "silhueta escura" nos corredores da escola. Depois disso, mais estudantes e até professores disseram ter visto a mesma figura ou sentido uma presença sobrenatural na escola.
Uma professora disse ao canal local Astro Awani que sentiu uma presença "pesada" se agarrando a ela. Outra afirmou que uma "silhueta escura" estava tentando entrar no corpo dela.
Um estudante disse ao jornal local Sinar Harian que sentiu dormência nas mãos enquanto sua mente estava "dispersa".
Uma funcionária da escola confirmou à BBC que cerca de cem pessoas, a maioria estudantes, foram afetadas.
"Nossos estudantes foram possuídos e perturbados (por estes espíritos). Não sabemos exatamente por que aconteceu. Não sabemos o que nos afetou", disse a funcionária, sem se identificar.
"Mas o lugar é meio velho e crianças às vezes são desobedientes, às vezes elas jogam o lixo dentro da escola. Talvez elas tenham acertado alguns 'djinns' (fantasmas) e ofendido os espíritos".
A escola fechou na quinta-feira e convidou religiosos islâmicos a recitar o Corão e fazer orações dentro de suas instalações. Autoridades locais também estão enviando consultores para a escola nesta semana.
Já o Departamento Estadual de Educação de Kelantan não respondeu aos pedidos de entrevista da BBC.
O que é histeria coletiva?
Com base nas informações da imprensa, Robert Bartholomew, sociólogo que pesquisou histeria coletiva na Malásia, disse à BBC que este é um caso típico: histeria coletiva (ou ilusão coletiva) é definida por crenças falsas ou exageradas se espalhando rapidamente dentro de uma população.
Tais episódios geralmente ocorrem dentro de pequenos grupos de pessoas, todas muito próximas, em ambientes fechados.
Vários casos famosos de histeria coletiva já foram registrados no mundo todo, inclusive um suposto "surto de dança" séculos atrás, quando pessoas começavam a dançar incontrolavelmente durante horas.
Em 2012, a cidade de LeRoy, em Nova York, EUA, foi parar no noticiário depois que estudantes começaram a apresentar estranhos tiques ou momentos de fala ininterrupta, sem nenhuma causa aparente.
Depois, o Departamento Estadual de Saúde de Nova York descobriu que os estudantes afetados, em sua maioria meninas, estavam sofrendo de uma espécie de "distúrbio de conversação", uma forma de histeria coletiva.
No sudeste da Ásia, durante a década de 1970, foram registrados vários casos de histeria coletiva em fábricas de Cingapura e na Malásia.
Bartholomew afirmou que o fenômeno é comum em áreas rurais malaias.
Em 1987, houve um caso envolvendo 36 meninas muçulmanas em um abrigo do país. O sociólogo afirmou que esse caso durou cinco anos.
"Os incidentes envolviam gritar, correr e (episódios) de confusão mental, choro, movimentos estranhos, transes e possessão por espíritos. As meninas, com idades entre 13 e 17 anos, reclamavam que havia muita religião e estudos e pouca recreação", afirmou.
Uma vacina e um vazamento químico foram os suspeitos de um incidente de histeria coletiva em LeRoy, Nova York. - Foto: BBC / BBCBrasil.com |
"Malaios são suscetíveis por causa de suas crenças em uma variedade de espíritos", acrescentou Bartholomew, afirmando ainda que geralmente esses incidentes ocorrem mais em colégios internos femininos, que são os mais severos.
Causas?
Medos ou crenças já existentes com frequência influenciam o que as pessoas apontam como causas para a histeria coletiva. No episódio de quatro anos atrás em LeRoy, Nova York, as suspeitas recaíram sobre uma vacina contra o HPV e um vazamento em uma indústria química da região.
Em Kota Bahru, autoridades estão responsabilizando eventos sobrenaturais.
Mas, em alguns casos, trata-se de uma única pessoa desencadeando um episódio coletivo, que então é exacerbado ou prolongado por fatores diversos.
No caso de LeRoy, alguns médicos argumentaram que a histeria coletiva teria começado com um estudante diagnosticado com síndrome de Tourette, distúrbio que se manifesta em tiques múltiplos.
Bartholomew disse, por sua vez, que sua pesquisa aponta para causas mais profundas nos incidentes com meninas de colégios internos na Malásia.
"Elas não gostam de frequentar essas escolas, superlotadas e sem privacidade. A frustração e raiva se acumulam durante semanas ou meses. Em um certo momento uma estudante fica 'possuída' e isso se torna um catalisador para o drama", afirmou.
Para as autoridades, a solução foi buscar feiticeiros.
"O uso de muitos curandeiros nativos pode ser uma faca de dois gumes, especialmente se eles fracassam. Pois eles legitimam o aspecto sobrenatural do incidente. Como resultado, o incidente provavelmente vai se prolongar", opina Bartholomew.
A repercussão desses casos em redes sociais também ajuda a exacerbá-los.
O acadêmico Wan Zumusni Wan Mustapha, que morou e lecionou em Kelantan por 13 anos, crê que o incidente foi exagerado.
"(A aparição da figura misteriosa) pode ter sido causada pelo calor, estresse ou névoa", afirmou.
Fonte: Terra
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